sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Cegueira


Escrevi esse texto no momento que minha mãe chegou para mim e mandou (ela não falou, ela mandou mesmo) eu não fazer ADM, nem seguir a mesma carreira de meu pai (consultoria), pois eu viveria viajando e não teria tempo de me dedicar a uma família, ou que eu não me casasse e vivesse somente para o trabalho. E foi nesse momento crucial (em março), que perdi o rumo de vez, sem saber o que faria de faculdade. Ahhh, tirando as brigas tensas entre meus pais, e as verdades que fiquei sabendo depois de muitos anos. Foi um momento muito ruim.


"Cegueira. Não vejo o que está na minha frente.

Tudo parece bom, certo e feliz. Mesmo os momentos ruins traziam felicidade, pela certeza do aprendizado e certeza do preparo para o futuro.

A cegueira é boa e nos livra do mal.

Mas será que não seria melhor ver? Olhar, sentir, enxergar?

Os sons são intensos, os momentos são únicos. Tenho de guardar a sensação deles, imaginar como seria ser pudêssemos ver as formas e as cores.

Nesse mundo, a palavra rude, desprovida de sentimentos não dói, pois o que realmente importa é ver com as junções das sensações, sentir a pessoa e o motivo por trás de suas ações.

Mas eu bem gostaria de olhar no que chamam de olhos e ver o reflexo da alma. Pois, embora ouça que os olhos são o espelho da alma, nunca pode constatar esse ditado, nunca saberei.

Por isso gostaria de enxergar.

Embora possa conhecer alguém pelo modo como fala e pelo toque, não posso saber como ela aparenta quando está zangada, chorando, feliz, desanimada... Não há um conhecimento completo.

TUDO é incompleto e eu desejo imensamente ver.


O médico diz que é preciso de um transplante de córnea, e que não doeria. Ele disse que valeria a pena.

Ele disse que valeria a pena!

E então posso ver.

Posso ver as cores e o formato dos objetos. Entendo porque alguns tinham - aprendi a palavra agora - textura diferenciada de outros.

Reconheço os sons e seus propagadores.

Entendi a beleza da música e a estranha poluição.

Mas dói, porque posso ver a raiva e o que ela faz com as pessoas. Vejo o mal e a dor.

Incrível como as pessoas machuam outras e reclamam quando sentem dor! Quase como se o mundo girasse exclusivamente em torno delas e a consequência de seus atos fosse menos importante. E as vítimas? Quem é vítima de quem? Não é ciclo vicioso? Uma pessoa machucando outra que, machucada, machuca outra e outra e por aí vai.

Isso doeu na alma.

Olhei e vi que muitos não são como pensei que eram, e me arrependi de não tê-los verdadeiramente conhecido.

Percebi o quanto estou sozinha.

E me arrependo imensamente de ter desejado ver."


O texto está até hoje no meu caderno de matemática. Não conseguia fazer lição de casa, então escrevi lá mesmo. Achei relevante colocar isso aqui porque faz parte do processo.
Tá uma bagunça, as ideias estão todas espalhadas, mas dá pra entender.

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